sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010
Paula Rego
Era uma vez...Paula Rego
Artista genial,virtuosa,empenhada,provocante...
"Poema (em prosa) intitulado Paula Rego"
Os animais incompletos.A dissecação da esfinge que habita o braço que possivelmente carrega
(eu carrego,tu carregas,ele carrega)no botão.O botão de hidrogénio.Que.Que.A gramática infame do medo.Os verbos finitos.
Os animais incompletos.Trucidados.A espuma e a raiva-e a palma da mão inocente-nos jogos
rotativos do amor.Os jornais da torre de babel deram a volta ao mundo.Iam cheios de boas intenções(deles para eles);quando voltaram,puseram-nos,a nós,em campos de concentração.
Os jornais da torre de babel são colaboracionistas.Ficámos sós.Somos 14.Só restam 14.
O medo. Disseste um dia-e é verdade-que pintas para dar uma face ao medo.Mas o encantamento primevo de outra aurora (quando o povo se chamava Fernão Lopes,por exemplo)
assoma em ti ,às vezes,criança linda lacerada,boneca de Bellmer,portuguesa de Camden Town-
bairro de Londres onde habitam juntos,dois espelhos a cavalo atravessados por um tiro:
Rimbaud e Verlaine.
Portuguesa dos pés à cabeça.Menina e moça da casa dos seus pais portugueses,de seu marido inglês,e de seus filhos.Marcada pelo terramoto de 1755(e pela loucura imbecil de Dom Sebastião,evidentemente).As entranhas da cidade.Marcada pelas entranhas.Marcada sobretudo-and how!-pelo outro terramoto,muito maior,o maior de todos.
A revolta deita-se na cama.Não para dormir . Nem para morrer. A revolta às vezes deita-se na cama-para fazer amor. Para criar amor.Para dar amor.A outro corpo. A outro ser. Dois seres humanos,no leito,completamente perdidos de amor louco,são o universo.
A tua revolta conta uma história com um princípio meio e fim. A moral da história só 14 pessoas a entenderão.As outras deitaram-se a dormir... Muitas delas pessoas más,de uma apagada e vil tristeza.Quanto mais dormem,mais acusam e julgam,e intrigam.E fazem mal aos outros.
A tua revolta deita-se na cama.Não para desistir.Mas para amar. Depois levanta-te.E és um canto-erecto,decidido, áspero.E com ternura misteriosíssima . Possessa do terror de que falava Blake, da entrega de Henry Miller,e do sem-suporte de Mário de Sá-Carneiro- Começas a pintar.
Londres,Outubro de 1965 (Alberto Lacerda)
"Pinto para dar face ao medo
"Amor"
"Mulher Cão"
[...] "Mulher Cão surgiu de um esboço feito tendo Lila como modelo e realizado em cinco minutos enquanto pintava no atelier"[...]. A ideia foi despoletada por uma história de fadas que uma amiga portuguesa lhe contara numa carta.Uma história de uma rustividade feroz:
-"Uma senhora de idade ,que vive sózinha com os seus animais de estimação.O vento que sopra
pela chaminé soa com a voz chorosa de uma criança, encorajando-a a comer os animais,um após o outro.Tarefa sinistra que ela cumpre conscienciosamente.Põe-se em quatro patas e os animais entram na sua boca.
Paula Rego pediu a Lila "para se agachar e representar uma mulher com a boca aberta,como se estivesse a engolir"
"Quando apareceu a mulher cão foi um grande dia na minha vida,posso assegurá-lo",disse.
"Branca de Neve engole a maça envenenada"
Acha que há impostura na arte contemporânea? Como?
...Mentira? Não,não há mentira.Bem,é difícil saber isso em arte porque as coisas deixam de ser o que são e passam a ser arte e ficam outra coisa que também é importante,porque há sempre uma transformação.Acho que não há muita mentira...
..."Adoro ir ao cinema,adoro o Almodóvar e o del Toro"
..."Do que eu mais gosto é de ir ao Prado.Por isso gosto tanto de Madrid"...
Esses discos aí são de óperas?
"Tenho aí bastantes óperas,mais de Verdi do que de outra pessoa.
Verdi é o seu favorito?
"De longe ,de longe,é fantástico,comove tanto
domingo, 7 de fevereiro de 2010
Cruzeiro Seixas
"Tu és meu
pássaro do deserto
cinzento com mil portas
silenciosas e translúcidas
Tu és
a todo o comprimento
do sol
e afogas-me como um oceano"
pássaro do deserto
cinzento com mil portas
silenciosas e translúcidas
Tu és
a todo o comprimento
do sol
e afogas-me como um oceano"
Acredito que haja uma terra distante onde resida a esperança de nós todos e para ela experimento todos os símbolos,secretamente,como o ladrão experimenta mil chaves para abrir
um cofre vazio.
... Quando começo a trabalhar,muito raramente tenho uma ideia nítida do que vou fazer.
Não conheço,ou esqueço,ensinamentos ou teorias-Não é em pintura que penso.
É o amor,a morte ,o mar,o desespero,as pessoas que conheço,e principalmente as que desconheço,...
...Por outro lado,quase me ofende a obra que pretende perdurar,como se houvesse uma qualquer eternidade.A maior parte dos meus trabalhos tende a desagregar-se dentro de um relativamente curto espaço de tempo
Não é bem vida...não é bem arte...não é bem amor... é a janela labirinto negro em que consigo viver
...E a areia é o que há de mais parecido com o corpo humano,branca,densa,fluída,imóvel,vivível,
quente, podemo-nos deitar...
sábado, 23 de janeiro de 2010
Mário Cesariny - Visão Poética e Surrealista
Tantos Pintores
A realidade, comovida, agradece
mas fica no mesmo sítio
(daqui ninguém me tira)
chamado paisagem
Tantos pintores
A realidade,comovida, agradece
E continua a fazer o seu frio
Sobre bairros inteiros, na cidade,e algures
Tantos mortos no rio
A realidade comovida agradece
porque sabe que foi por ela o sacrifício
mas não agradece muitoA realidade comovida agradece
porque sabe que foi por ela o sacrifício
Ela sabe que os pintores
os escritores
e quem morre
não gosta da realidade
querem-na para um bocado
não lhe chegam muito pode sufocar
Só o velho moinho do acordeon da esquina
rodado a manivela de trabuqueta
sem mesura sem fim e sem vontade
dá voltas à solidão da realidade
Mário Cesariny, Titânia e a Cidade Queimada
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